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Iracema, heroína do Brasil

Atualizado: 16 de abr. de 2022

Iracema, publicado em 1867, resgata as origens da terra natal de José de Alencar (1829-1877), o Ceará, por meio da lenda da “virgem dos lábios de mel”. Ao lado de O Guarani (1857) e Ubirajara (1875), o romance constitui a contribuição do autor ao indianismo romântico brasileiro.

José de Alencar fez pesquisa em crônicas coloniais e se aprofundou no estudo da língua indígena para compor esta obra, em que pinta com prosa poética a exuberante natureza cearense e a bela tabajara, que permanece viva ainda hoje no imaginário da nação.


Seu estudo do tupi-guarani não se limitou à etimologia dos termos indígenas, mas procurou estender-se à própria construção da narrativa. É claro que, aos olhos do século XXI, certas passagens do texto podem ser lidas como expressões de uma certa postura de “superioridade” em relação à cultura indígena. Também, pudera: José de Alencar, filiado ao partido conservador, viveu em um período em que a escravidão, entre outras aberrações, não só era legal, mas considerada normal pela nossa sociedade. Somente 11 anos após a morte do autor é que seria promulgada a lei Áurea, concedendo liberdade aos escravos que ainda viviam no Brasil.


A despeito das posições pessoais e políticas de José de Alencar, chama a atenção o protagonismo dos indígenas na trama de Iracema. Martim, o português pelo qual a virgem dos lábios de mel se apaixona, é quase um coadjuvante na história. Sua força e coragem são muitas vezes declaradas, mas raramente são colocadas à prova. Frente às ameaças de seu antagonista, Irapuã, sua vida é salva ora por Iracema, ora pelo irmão dela, Caubi, ora por Poti, seu amigo pitiguara, ora pelo pajé, pai de Iracema. Enfim, Martim segue à reboque dos personagens indígenas, restando-lhe pouco mais que a paternidade do filho que tem com a bela tabajara: Moacir, “nascido do sofrimento”.



Resumo da história


Iracema é uma bela virgem tabajara, guardiã do segredo da jurema. É ela quem fabrica para seu pai, o pajé, a bebida sagrada de Tupã. Por isso, Iracema não pode entregar-se a homem algum, sob pena de perder a própria vida.


Certo dia, ela encontra em meio à mata um estranho guerreiro branco: Martim. Depois de feri-lo no rosto com sua flecha, desferida como advertência, a virgem é arrebatada pelo olhar do português, por quem se apaixona intimamente. Ela o conduz à cabana de seu pai, Araquém, onde o estrangeiro é recebido com hospitalidade. O pajé considera a visita de Martim um desígnio de Tupã. Assim, são oferecidos a ele alimentos, agasalho, a proteção de guerreiros e a companhia de mulheres. Mas Martim rejeita a todas, pois a única com quem gostaria de passar a noite é Iracema.


Ao saber que a jovem não pode entregar-se a homem algum, Martim decide deixar o território tabajara para reencontrar seu amigo Poti. Poti é um guerreiro pitiguara, tribo inimiga dos tabajaras. A virgem, porém, segue o português e o convence a ficar, para que sua partida não ofenda a hospitalidade do pajé. Martim aceita esperar até o dia seguinte pela volta do irmão de Iracema, o guerreiro Caubi, “senhor dos caminhos”, que lhe serviria de guia. Enquanto isso, Irapuã, o irascível chefe tabajara, convocava seus guerreiros para combater o inimigo pitiguara, que aliara-se à raça branca vinda do mar – o povo de Martim.


No caminho de volta à cabana de Araquém, Iracema conduz o cristão para o bosque sagrado de Tupã. Ela deseja confortar o espírito do estrangeiro oferecendo-lhe o licor que proporciona doces sonhos a quem o toma. Então, em meio ao transe provocado pela bebida, Martim beija Iracema. O romance é interrompido por um murmúrio percebido pela indígena atenta.


Iracema identifica a presença de um guerreiro: é Irapuã, o chefe tabajara. Irapuã é apaixonado por Iracema, e percebe os sentimentos dela pelo guerreiro branco que se hospedara na cabana do pajé. Tomado de ciúmes, ele ameaça de morte Martim, que continua em transe, mas Iracema o defende, mantendo Irapuã sob a mira de seu arco. O chefe tabajara não consegue agir contra sua amada e, cheio de fúria, afirma que a sombra de Iracema não poderá esconder para sempre o “vil guerreiro que se deixa proteger por uma mulher”. Ele retorna à aldeia, determinado a reunir seus guerreiros contra o hóspede de Araquém.


Quando passa o efeito da beberagem, Martim não se lembra de nada. Ele volta à cabana do pajé, a espera de Caubi, irmão de Iracema, que retorna da caça. Caubi parte com o guerreiro cristão, para guiá-lo de volta aos campos pitiguaras. Iracema fica só na taba do pajé, triste. De repente, ela ouve o grito de guerra de Caubi: Martim e seu guia encontram-se cercados por cem guerreiros de Irapuã. Martim permanece clamo, mas a virgem se coloca a seu lado para protegê-lo. Iracema e Caubi se interpõem entre o português e os guerreiros de Irapuã. Entretanto Martim, desafiado, dispõe-se a enfrentar Irapuã em um duelo, apesar dos lamentos da virgem. Os guerreiros tabajaras afastam Caubi e Iracema, deixando Martim e Irapuã frente a frente para o combate. Subitamente, ouve-se o som da inúbia pitiguara, que anuncia a proximidade do inimigo. Os guerreiros, conduzidos pelo chefe, dispersam-se para proteger a tribo do ataque iminente. Mas o ataque não acontece.


Os tabajaras vasculham a floresta, e nada encontram. Irapuã suspeita tratar-se de um ardil de Iracema, e retorna à cabana de Araquém para vingar-se do estrangeiro. A tensão aumenta na cabana. Irapuã exige levar o cristão, e ameaça o pajé. Este, então, conjura o trovão de Tupã: suspende uma laje no chão de sua cabana, e todos ouvem estarrecidos um sinistro rugido que emana das entranhas da terra. Irapuã recua. Ele deixa a cabana do pajé, mas jura vingar-se de Martim.


Pouco depois, Martim ouve o som da gaivota e reconhece o sinal de seu amigo Poti. Impedido de sair da cabana, é Iracema quem vai ao encontro do bravo pitiguara. Ela, então, informa a situação ao inimigo de sua tribo e retorna com sua mensagem ao amigo comum, enquanto Irapuã mantém a cabana do pajé sob a vigilância de seus guerreiros.


Irapuã e seus guerreiros embriagam-se de cauim enquanto cercam a taba do pajé. Os ânimos exaltam-se. Caubi protege a entrada da cabana enquanto Martim e Iracema se escondem dentro do buraco por onde rugia a pouco o trovão de Tupã. De repente, o casal ouve nas entranhas da terra a voz de Poti, que pede a Martim que o encontre às margens do rio das garças antes do próximo amanhecer. Ele afirma que nenhum tabajara o seguirá, pois rugirá novamente na mata a inúbia da guerra pitiguara. Martim pergunta ao amigo quantos guerreiros ele tem consigo. “Nenhum”, é a resposta de Poti. Ele pretende usar o mesmo ardil que salvara a vida do amigo pouco antes.


Iracema, no entanto, apresenta uma ideia melhor: ao invés de arriscar-se com a repetição de um mesmo estratagema, a virgem pede a Poti que aguarde mais um pouco, pois a noite em que os guerreiros tabajaras se reúnem para tomar o líquido sagrado de Tupã se aproxima. Então, durante o transe dos guerreiros, Martim poderia deixar a cabana de Araquém sem ser percebido.


Enquanto o casal espera o momento de agir, o clima esquenta entre os amantes confinados na taba do pajé. Martim, porém, não deseja desonrar a cabana hospedeira, e afasta-se da virgem. Para acalmar seu coração, ele pede a Iracema que lhe dê um pouco da bebida sagrada, e ela o atende sem que o pajé fique sabendo, em um momento em que ambos ficam sozinhos na cabana. Então, em transe, Martim faz amor com Iracema, que a ele se entrega: “Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras.”


Na noite seguinte, os guerreiros de Irapuã reúnem-se para o ritual sagrado em homenagem a Jaci, a mãe lua. Martim parte para encontrar seu amigo e é guiado por Iracema até o limite das terras tabajaras. Lá, ela revela ao cristão estar grávida dele. Martim se espanta, porém, sem alternativa, segue com ela ao encontro de Poti. No dia seguinte, Irapuã se dá conta da fuga do português e parte com seus guerreiros à caça de Martim. Os fugitivos já se encontram em território pitiguara. Ocorre então uma luta entre as duas nações, mas os pitiguaras, liderados pelo bravo Jacaúna, vencem os tabajaras.


Depois de passarem alguns dias como hóspedes na cabana de Jacaúna, o casal é conduzido por Poti pelo território pitiguara em busca de um pouso pacífico para Iracema, que se sente desconfortável na terra dos inimigos de seu povo. Depois de muito caminhar, Martim encontra um bom lugar para fundar uma vila para seus conterrâneos, e os três se estabelecem perto dali.


Por algum tempo, eles vivem felizes no lugar. Poti e Maritm caçam juntos nos arredores e Iracema banha-se nos rios e lagoas próximas. Ela carrega no ventre o filho do cristão, e todos se sentem felizes por isso. Então, Poti e Iracema pintam o corpo de Martim e dão a ele um nome indígena: Coatiabo (“pintado”), conforme era tradição do povo do lugar. Porém, depois de algum tempo vivendo ali, em paz, um guerreiro pitiguara traz uma mensagem de Jacaúna: haverá nova luta contra os tabajaras. Martim e Poti atendem ao chamado do chefe, enquanto Iracema fica sozinha, e sente crescer a saudade da pátria tabajara.


A luta é tremenda. Depois da vitória dos pitiguaras, ajudados por seus aliados portugueses, Martim retorna à sua cabana, cheio de saudades de Iracema. O ardor de sua paixão, no entanto, logo se enfraquece frente à saudade que sente de sua terra natal. A tristeza de Martim o afasta de Iracema. Então, surgem do mar novos guerreiros brancos, inimigos dos portugueses. Poti e Martim voltam para a guerra, deixando Iracema mais uma vez só na cabana.


Iracema dá a luz sozinha, enquanto o português e seu amigo guerreiam. Ela fica cada vez mais fraca depois do parto, e sente dores tremendas. O tempo passa em meio ao sofrimento de Iracema. Quando Martim finalmente retorna à cabana, a índia, quase desfalecida, consegue apenas erguer a criança para apresentá-la ao marido, e morre em seguida.


Martim enterra a esposa ao pé de um coqueiro. Ali, a jandaia, pássaro de estimação de Iracema, passa a repetir tristemente o nome da dona: “Iracema”. E foi assim que o rio onde crescia aquele coqueiro passou a ser chamado Ceará: “canto de jandaia”.



Personagens


Iracema – a lendária virgem dos lábios de mel é a heroína desta história. Ela guarda o segredo da jurema, uma bebida ritual dos tabajaras. Isso quer dizer que a jovem é destinada à Tupã e, se a virgem se entregar a qualquer mortal, pagará por sua falta com a própria vida. Apesar disso, ela se apaixona por Martim, o guerreiro branco, e tem com ele um filho. Depois de dar a luz ao menino, Iracema morre e é enterrada à beira do rio que veio a se chamar “Ceará”.


Martim ­– é um personagem histórico, Martim Soares Moreno, um dos guerreiros portugueses que ajudaram a libertar o Brasil da invasão holandesa, alcançando o posto de mestre de campo. Reza a lenda que ele teria realmente sido "coatiado" pelos índios, com quem mantinha boas relações. No romance, Martim encontra Iracema quando vagava perdido pelos campos tabajaras, e se apaixona por ela. Dividido entre o amor pela virgem e a saudade da terra natal, assiste à morte da esposa depois de ajudar a fundar uma vila portuguesa.


Poti – bravo guerreiro pitiguara, é amigo inseparável de Martim. Com a ajuda de Iracema, consegue resgatá-lo da fúria de Irapuã, chefe tabajara, conduzindo o casal a salvo até as terras pitiguaras. O índio Poti de fato existiu, e conheceu o português Martim Soares Moreno. Aliado dos portugueses, foi batizado como Antônio Felipe Camarão, e, por sua bravura na guerra holandesa, recebeu foro de fidalgo, a comenda de Cristo e o cargo de capitão-mor dos povos indígenas.


Irapuã ­– temível chefe tabajara, jura Martim de morte, por este ser aliado de seus inimigos pitiguaras e por ciúme, já que seu amor não é correspondido por Iracema. O personagem faz alusão ao célebre Mel Redondo, que existiu de fato, e que era assim chamado pelos cronistas da época por ter seu nome traduzido ao pé da letra (ira = mel; apuã = redondo). Chefe dos tabajaras da serra de Ibiapaba, ele foi um encarniçado inimigo dos portugueses e aliado dos franceses.


Araquém – pajé da tribo tabajara, recebe Martim com hospitalidade em sua tenda, protegendo-o da fúria assassina de Irapuã.


Caubi – irmão de Iracema, é também chamado “senhor dos caminhos”, por conhecer todos os recantos do território de sua tribo. Ele ajuda a proteger Martim da vingança de Irapuã enquanto o estrangeiro era hóspede de Araquém.


Andira – grande guerreiro tabajara, é irmão de Araquém. Com sua força e experiência, contrapõe-se à sanha guerreira de Irapuã, defendendo o respeito ao pajé e a seu hóspede.


Jacaúna ­– irmão de Poti, o grande chefe pitiguara conduz seus guerreiros nas vitórias sobre os tabajaras e, depois, ajuda os aliados portugueses a expulsarem seus adversários europeus que chegam pelo mar. Jacaúna realmente existiu, e era de fato irmão de Poti, que brilhou nas guerras holandesas. Ele foi um grande chefe indígena aliado dos portugueses.


Moacir – é o filho de Iracema e Martim. Ela lhe deu este nome por ser ele “nascido de seu sofrimento”. Pouco depois de parir o menino, ela morre.

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