Publicado em 1899, o romance aborda o tema do ciúme segundo o ponto de vista de seu protagonista, que narra em primeira pessoa a sua versão dos fatos
Bento Santiago, então com cerca de 60 anos, decide escrever o livro com o intuito de "atar as duas pontas" de sua vida. É ele mesmo quem narra a história, na tentativa de preencher sua solidão com as recordações de um passado marcado pelo sofrimento pessoal: a certeza de ter sido traído pelo amor da sua vida, Capitu.
Depois de nos informar sobre os motivos que o levaram a escrever tal livro, Bentinho nos explica como chegou ao título: Dom Casmurro seria o apelido pelo qual passou a ser conhecido entre os amigos devido ao seu temperamento calado e introvertido. Esse apelido fora dado por um poeta de suas relações que, ao recitar para ele, certo dia, versos de sua autoria, teria flagrado Bentinho a cochilar, ficando ofendido com isso. O apelido, porém, pegara e o próprio Bento adotou-o como título de sua obra.
Com uma narrativa a todo momento interrompida por pensamentos e lembranças fragmentadas, Bentinho inicia suas memórias a partir da infância na casa dos pais, na rua de Matacavalos, no Rio de Janeiro, em meados do século XIX. Trata-se do dia em que o narrador escutou uma conversa entre sua mãe, o agregado da família, José Dias, e seus tios. José Dias chamava a atenção de sua mãe para a proximidade de Bentinho com a filha dos vizinhos, Capitu, revelando ao protagonista a natureza de seus próprios sentimentos, até então inconscientes.
Sua mãe pretendia mandá-lo ao seminário, em cumprimento a uma promessa feita antes de seu nascimento. Depois de haver perdido um primeiro filho, ela havia prometido que, se o segundo nascesse “varão”, ela o faria padre. Bentinho e Capitu, buscam, então, uma maneira de escapar a esse destino, mas seus planos fracassam. Porém, antes de partir para o seminário, Bentinho sela com um beijo a promessa de se casar com Capitu no futuro.
No seminário, Bentinho conhece Ezequiel Escobar, que se torna seu melhor amigo. Enquanto isso, Capitu estreita relações com dona Glória, mãe de Bentinho. Dona Glória sente-se dividida entre a necessidade de cumprir sua promessa e o desejo de ficar com seu filho e fazê-lo feliz. Aos poucos, sob a influência de Capitu, ela passa a ver com bons olhos a relação dela com o filho, embora mantenha o intuito de fazer de Bentinho um padre. Sem saberem como solucionar o dilema, é Escobar quem propõe a saída: Dona Glória poderia adotar um menino para ser ordenado padre no lugar do filho. Assim, garantiria um sacerdote para a Igreja, conforme prometido, e liberaria Bentinho (e a si mesma) desse fardo.
Livre do seminário, Bentinho, vai para São Paulo estudar direito, no Largo de São Francisco. Depois de formado, casa-se enfim com Capitu. Escobar, por seu lado, casa-se com uma amiga de Capitu, Sancha, e os dois casais mantém estreita relação a partir de então.
A felicidade de Bento e Capitu começa a ser ameaçada pela demora do casal em ter filho. Entretanto, Escobar e Sancha têm uma bela menina, a quem dão o nome de Capitolina, em homenagem à amiga. Apenas anos depois é que Bento e Capitu podem retribuir tal gentileza, nomeando seu tão esperado filho como Ezequiel.
Depois da morte trágica de Escobar, que se afoga ao nadar no mar em dia de ressaca, Bento começa a notar uma inquietante semelhança entre seu pequeno e o falecido amigo. Ele, que até então vivia feliz com sua mulher e o casal de amigos, passa a se convencer de que fora traído pela esposa, dando início a um processo de afastamento em relação a Capitu e seu filho.
Num determinado momento, mergulhado em rancor, Bentinho decide suicidar-se e mistura veneno em sua xícara de café. Porém, pouco antes de o beber, ele oferece o café ao pequeno Ezequiel, que entrara em seu escritório por acaso. Ele desiste de matar a criança no último momento, mas diz ao garoto que não é seu pai. Capitu, ao ouvir essa afirmação, fica chocada e repudia o ciúme doentio de Bentinho.
O casal acaba por separar-se depois de algum tempo. Arranjam uma viagem para a Europa, para evitar polêmicas em torno da situação, e Bentinho passa a viver sozinho no Brasil. Transforma-se, assim, paulatinamente, no amargo "Dom Casmurro", que dá título ao romance, enquanto Capitu vive com o filho na Suíça.
Capitu morre no exterior e Ezequiel, depois de formado, volta para o Brasil e procura por Bentinho. A semelhança com Escobar faz com que Bento o rejeite em seu íntimo, embora o receba em público. Para se livrar do filho, ele financia uma viagem de estudos para Ezequiel, que termina por morrer de febre tifoide durante pesquisas arqueológicas em Jerusalém.
Tempos depois, morre também Dona Glória, e Bentinho, triste e solitário, constrói para si uma réplica da casa de sua infância, da rua de Matacavalos, e procura recuperar um pouco do sentido de sua vida "deitando ao papel" sua história. Por fim, menospreza sua própria criação e se convence a escrever outra obra: “A história dos subúrbios”.
Indicação de leitura: "Machado pra geral", artigo de Eduardo Carvalho publicado no UOL Ecoa em 27/01/2021 (link acessado em 28/01/2021).
Personagens
Bentinho: filho único de uma rica família carioca, Bento Santiago é o protagonista que narra sua própria história. Perdeu o pai ainda criança, tendo sido criado pela mãe, com a ajuda dos tios e de José Dias, um agregado da família. É educado para se tornar padre, em cumprimento a uma promessa que sua mãe fez ainda grávida dele. Conforme cresce, porém, apaixona-se por Capitu, a filha de seus vizinhos na rua de Matacavalos, e passa a buscar uma forma de livrar-se da incumbência de virar padre. É muito ciumento e dono de uma imaginação fértil. Embora se proponha a narrar os fatos de sua história com objetividade quase científica, suas suspeitas de adultério baseiam-se em impressões e interpretações próprias, cultivadas a partir da morte de seu grande amigo (e possível comborço) Escobar.
Capitu: filha de um casal de vizinhos de Dona Glória, em Matacavalos, vem de uma família bem mais modesta que a de Bentinho. Maria Capitolina é esperta e articulada, detalhista e curiosa, e é a melhor amiga da infância de Bento. Com seus olhos de ressaca, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada", torna-se esposa de Bentinho quando adultos. Depois que eles separam, ela vai morar com o filho na Suíça, onde falece após alguns anos.
Escobar: melhor amigo de Bentinho no seminário, compartilha com ele o desejo de não se tornar padre. Com mente afiada para números e cálculos matemáticos, dedica-se ao comércio (importação e exportação) depois de deixar o seminário. Então, Ezequiel de Sousa Escobar casa-se com Sancha, a melhor amiga de Capitu, e tem com ela uma filha chamada Capitolina, em homenagem à amiga do casal. Curioso, meticuloso e inteligente, morre afogado ao nadar no mar em um dia de forte ressaca.
Ezequiel: filho de Bentinho e Capitu, nasce depois de anos de tentativas do casal e recebe o nome do amigo de Bento, em retribuição à homenagem que o casal de amigos havia feito anos antes, quando tiveram sua própria filha. Quando pequeno, o menino tinha a mania de imitar o trejeito das pessoas, o que muito incomodava Bento e Capitu. Apaixonado pelo pai, cresce junto da mãe, na Suíça, e forma-se arqueólogo, mas morre jovem ao contrair febre tifoide durante escavações das quais participava, em Jerusalém.
Dona Glória: mãe de Bentinho, é uma distinta senhora à moda antiga. Extremamente religiosa, promete à Deus fazer de seu filho padre, "se for varão", na tentativa de não perder a criança durante a gravidez, como lhe acontecera na primeira gestação. Havia se tornado viúva ainda jovem, aos 40 anos, e é muito ligada ao único filho, de forma que sofre com a ideia ser obrigada a enviá-lo ao seminário, embora se sinta obrigada pela promessa.
José Dias: agregado desde muitos anos da família de Bentinho, tinha o dom de "fazer-se necessário", e era tratado como "pessoa da família". Sujeito de meia-idade, magro, chupado e com um princípio de calva, era muito cuidadoso com a própria roupa ("foi um dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e talvez nesse mundo"). Possuía certa autoridade junto à família e amava superlativos. Mantinha certa implicância com Pádua, o pai de Capitu, por considerá-lo inferior.
Tio Cosme: irmão de Dona Glória, vive com a irmã desde que ela enviuvara. Sendo ele também viúvo, junto com prima Glória formavam "a casa dos três viúvos". Advogado criminalista, não chegou a fazer fortuna, "ia comendo". Gordo e pesado, com respiração curta e olhos dorminhocos, adorava dar "capotes" em partidas de gamão.
Pádua: pai de Capitu, era empregado em uma repartição pública dependente do Ministério da Guerra. Não ganhava muito, mas a mulher, Dona Fortunata, gastava pouco. Comprou sua casa própria, vizinha à de Dona Glória, com a "sorte grande que lhe saiu em um meio bilhete de loteria". Isso graças aos bons conselhos da esposa, pois, se fosse por ele, teria desperdiçado a oportunidade comprando "luxos" para si e para a família. Sonhador e afetuoso, era chamado de "tartaruga" por José Dias, por causa de seu porte físico.
Padre Cabral: amigo da família, é um dos guardiões da promessa de D. Glória de mandar o filho ao seminário. Embora gostasse da ideia de Bentinho tornar-se padre, acaba concordando com a ideia de Escobar, de substituir o filho de Dona Glória por um garoto adotado para este fim.
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